A instabilidade do tornozelo é uma patologia subdiagnosticada, porém muito prevalente. A compreensão anatomica e a biomecânica do tornozelo é fundamental para o diagnóstico adequado e tratamento. O tratamento não cirúrgico é indicado na maioria dos casos, ficando a cirurgia reservada para casos refratários ou casos selecionados.
Introdução
Os entorses de tornozelo são as lesões mais comuns sofridas durante a realização de atividades esportivas. A maioria dos pacientes com esse tipo de lesão se recupera totalmente com o tratamento conservador, no entanto um percentual significativo desenvolve instabilidade crônica do tornozelo.
Esse tema, a instabilidade crônica do tornozelo tem se tornado cada vez mais importante no mundo da Ortopedia, pois além de ser muito subdiagnosticada, esta patologia é considerada a principal causa de artrose do tornozelo. Por esse motivo muito esforço tem sido feito nos últimos anos para entender melhor os mecanismos dessa lesão, bem como o desenvolvimento de novas técnicas cirúrgicas e descrição de novas estruturas anatômicas sendo descritas.
Epidemiologia
As torções do tornozelo correspondem entre 15 a 30% de todas as lesões esportivas. O tipo de inversão, quando o pé “vira para dentro”, é o mecanismo de lesão mais comum, e pode está relacionado em até 90% dos casos. As mulheres são em geral mais acometidas e quanto maior altura e índice de massa corporal maior o risco. Algumas atividades que misturam impacto e mudança de de direção também estão relacionadas a maior incidência das lesões no tornozelo, tais como:
Mecanismo de Lesão
O trauma por inversão é a causa mais frequente de lesão aguda do tornozelo nos esportes. Esse mecanismo é mais comum após um salto com aterrissagem na borda lateral do pé ou quando o pé ficar travado no chão, enquanto o corpo mantém a rotação.
O ligamento talofibular anterior se rompe primeiro e comumente é o único lesado. Ele é o componente mais fraco do complexo do ligamento colateral lateral do tornozelo, em particular seu fascículo superior. Com forças deformantes maiores, a lesão continua a se propagar rompendo o fascículo inferior do ATFL e o CFL.1,2 Por fim, a energia contínua romperá o PTFL, fazendo com que o tornozelo se desloque lateralmente.
Em cerca de 65–80% dos casos, ocorrerá uma lesão isolada do ATFL, enquanto rupturas combinadas do ATFL e CFL ocorrem em cerca de 20%. O PTFL raramente é lesado durante a entorse por inversão.10,11 Em ~10 –15% de todas as lesões de inversão, há uma ruptura total dos ligamentos laterais do tornozelo.
Pacientes com instabilidade medial do tornozelo podem apresentar uma história de lesão do tipo pronação, mas mais frequentemente relatam ter sofrido múltiplas entorses de tornozelo sem lembrar claramente o mecanismo. As lesões do deltóide ocorrem comumente em relação a fraturas como Wb C/pronação rotação externa ou pronação abdução e menos frequentemente com fraturas do tornozelo Wb B/supinação rotação externa.

Fotografia de jogador de futebol durante disputa de bola, cursando com trauma torcional em inversão.
A lesão da sindesmose tibiofibular é outra causa de instabilidade anatômica. A sindesmose é uma estrutura ligamentar formado pela membrana entre fíbula e a tíbia, associado aos ligamentos tibiofibular anterior e tibiofibular posterior, e é responsável por manter o pé estabilizado no tornozelo, entre a fíbula e a tíbia. Outros fatores que também podem contribuir para instabilidade mecânica são a tenossinovite ou ruptura dos tendões fibulares ou a presença de deformidades no pé.

Imagens de Tomografia Computadorizada com Estresse demonstrando instabilidade dinâmica da sindesmose. Na imagem superior, sem estresse, vemos que o espaço entre a fíbula e a tíbia é constante bilateralmente. Na imagem inferior, com estresse, vemos uma abertura anterior á direita, comparada com o lado contralateral.
Anatomia
Ligamentos Laterais
O complexo ligamentar lateral é composto pelos fascículos superior e inferior do ligamento talofibular anterior, ligamento calcâneofibular e ligamento talofibular posterior.
Ligamentos da Sindesmose Tibiofbular
Os ligamentos tibiofibular anterior e posterior associado a membrana interóssea são os responsáveis por manterem a fíbula estabilizada em relação a tíbia.
Ligamentos Mediais
O complexo ligamentar deltóide é composto por uma camada superficial, uma camada profunda e o ligamento mola ou calcaneonavicular plantar.
Estruturas Ósseas
As estruturas ósseas do tornozelo apresentam grande importância para estabilidade articular, contribuindo com cerca de um terço da resistência do tornozelo a movimentos rotacionais.

Desenho esquemático demonstrando os ligamentos laterais do tornozelo.
Tipos de Instabilidade
Instabilidade Funcional
A instabilidade funcional está relacionada a uma história de insegurança, sensação de instabilidade associado a episódios de torção, mas que não se apresenta como instabilidade demonstrável no exame físico ou em exames de raios X com estresse.
Esse tipo de instabilidade está geralmente associada a presença de receptores proprioceptivos danificados localizados no tornozelo. Uma reabilitação inadequada ou atrasada leva a uma reatividade muscular inadequada, contribuindo para esse tipo de instabilidade.
Instabilidade Mecânica
Esse tipo de instabilidade é caracterizada por lesão verdadeira dos estabilizadores ligamentares associado a evidência objetiva de falseio ao exame físico.
A microinstabilidade é um conceito recente dentro dessa patologia, e o mecanismo fisiopatológico proposto é a relação com uma ruptura parcial do ligamento talofibular anterior, afetando o seu fascículo superior.
Diagnóstico
Um exame físico detalhado deve abordar o mecanismo da lesão mais recente, a frequência de episódios de entorses de tornozelo e como foram realizados os tratamentos anteriores. Alterações anatômicas que podem estar associadas como fatores de risco para as torções tais como avaliação da marcha, alinhamento do tornozelo e retropé, lesão dos tendões fibulares devem ser ativamente pesquisadas. Além disso, testes especiais específicos devem ser utilizados, incluindo o teste da geveta, teste de inversão e eversão, teste de rotação externa, teste de compressão, além das manobras para teste de lesão da sindesmose tibiofibular.
Exames de imagem tais como raios X, ressonância magnética, tomografia computadorizada, ultrassonografia e até mesmo exames mais invasivos como. A artroscopia, são complementares e podem trazer informações adicionais para fechamento do diagnóstico e planejamento terapêutico.

Imagem de raio X com estresse demonstrando a subluxação ou deslocamento do tornozelo, através da simulação do mecanismo mais comum de entorse.

Imagem de ressonância demonstrando o ligamento fibulotalar anterior extensamente lesado.
Tratamento
Os entorses do tornozelo de maneira isolada costumam apresentar um bom prognóstico. No entanto, a instabilidade crônica é considerada o principal fator de risco para artrose do tornozelo.
Tratamento Não Cirúrgico
O manejo das lesões agudas está bem estabelecido e o tratamento não cirúrgico parece ser o de melhor resultado e o mais praticado entre os especialistas em tornozelo e pé.
Na maior parte dos casos das lesões crônicas os especialistas recomendam a reabilitação funcional. Dentre os exercícios de reabilitação estão inclusos o treinamento proprioceptivo e fortalecimento dos eversores. As órteses ou bandagens do tornozelo podem auxiliar na melhora da estabilidade mecânica e funcional em atletas, ao restringir a amplitude e reduzir novas lesões durante a prática esportiva.
Aproximadamente 80% dos pacientes respondem de maneira satisfatória com a realização da reabilitação funcional. Um ponto adicional é sempre verificar r se o tratamento não cirúrgico foi realizado de maneira adequada. Quando isso é constatado, recomenda-se reiniciar a reabilitação.
Tratamento Cirúrgico
Mesmo quando o tratamento conservador é realizado de maneira adequada, cerca de 20% dos pacientes podem desenvolver sintomas relacionados a instabilidade mecânica. Os tratamentos cirúrgicos disponíveis para o manejo desse quadro incluem uma variedade de procedimentos que vão desde reparos até reconstruções ligamentares complexas. Os reparos consistem em retensionar os tecidos lesionados, enquanto as reconstruções estão relacionadas à substituição dos ligamentos por tecido com colágeno de boa qualidade, sejam eles autólogos ou aloenxertos.
O cirurgião deve sempre estar atento aos ligamentos mediais e a lesões associadas bem como a necessidade de correção de desalinhamentos que favoreçam a recorrência dos entorses, afim de proteger o reparo ou reconstrução realizado.

Imagem intraoperatória demonstrando uma reconstrução ligamentar com enxerto do tendão fibular para o reparo de uma instabilidade crônica do tornozelo refratária à reabilitação.

Imagens do tratamento cirúrgico da instabilidade do tornozelo. À esquerda, reparo ligamentar do fibulotalar anterior e deltóide com uso de âncoras metálicas. À direita, fixação da sindesmose com parafusos de 3,5 mm.
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Referências
PROATO – capítulo do livro: O entorse do tornozelo
uptodate.com
FAQ
1. Como tratar a instabilidade do tornozelo?
A maioria dos casos de lesões crônicas os apresenta bom resultado com tratamento clínico através da realização de reabilitação funcional. Dentre os exercícios de reabilitação estão inclusos o treinamento proprioceptivo e fortalecimento dos eversores. No entanto uma parte dos pacientes não responde de maneira adequada e as cirurgias para reparo ou reconstrução ligamentar pode estar indicada.
2. O que pode acontecer com um tornozelo que sofre entorses de repetição?
A instabilidade do tornozelo associado a entorses de repetição é a principal causa de artrose do tornozelo, sendo essa a principal consequência da instabilidade tibiotalar a longo prazo.
3. A cirurgia para instabilidade do tornozelo pode ser feita por vídeo?
Muitos reparos e reconstruções para correção da instabilidade do tornozelo podem ser realizados através de artroscopia (cirurgia por vídeo). No entanto o que deve definir a via pela qual o procedimento será realizado é o tipo de cirurgia associado a experiência do cirurgião.
4. Qual a função dos ligamentos do tornozelo?
A principal função dos ligamentos do tornozelo é fazer que o tálus fique centrado na tíbia, ou seja, que pé fique bem posicionado em relação a perna, para que a articulação do tornozelo funcione de forma eficiente.
5. Como recuperar um ligamento rompido?
Nas leões agudas o protocolo de recuperação inclui:
• Repouso Articular
• Proteção articular com imobilizadores
• Carga e mobilidade precoce
• Gelo
• Analgesia
Nas lesões crônicas, é preciso identificar se decorre de uma reabilitação ineficiente ou de uma lesão anatômica.
6. Como o ligamento se regenera?
Os ligamentos sofrem reparo através de um processo cicatricial, através da formação de um tecido fibrótico. A mobilização precoce e reabilitação funcional tem papel fundamental no estimulo da formação de uma fibrose com melhor qualidade.
7. Quanto tempo demora para curar um ligamento rompido?
Em média a cicatrização fica entre 6 e 8 semanas, já a reabilitação cA grande maioria destas lesões melhora com tratamento conservador (sem cirurgia) através dos protocolos de reabilitação funcional precoce