O pé plano adquirido do adulto, ou deformidade colapsamte progressiva do pé ainda hoje é um desafio para ortopedia. O estudo e entendimento sobre a patologia vem avançando rapidamente nos últimos anos, e o entendimento sobre os componentes da patologia bem como novos exames de imagem, vem possibilitando novas intervenções e procedimentos.
Introdução
A deformidade do pé plano ou pé chato adquirido no adulto, é uma condição debilitante crônica e progressiva comumente associada à disfunção de múltiplas estruturas responsáveis pela manutenção do arco medial do pé. Figura 1) Essa patologia, hoje conhecida como Deformidade Colapsante Progressiva do Pé é muito prevalente.
As primeiras descrições dessa patologia datam das décadas de 50 e 60, ainda de forma muito incipiente. Esses estudos iniciais contemplavam a ruptura do tendão Tibial Posterior (TP) e a instabilidade causada por esse evento como os responsáveis pelo desabamento do arco plantar. No entanto, somente a partir da década de 80, foi sendo estabelecida de maneira mais clara a relação do TP com a formação do pé plano, sendo então lançadas as bases para o esclarecimento dessa patologia.

Figura 1: Pé plano, caracterizado pelo colapso do arco plantar medial. Percebe-se na foto que toda região medial do pé está em contato com o solo.
Anatomia
O TP origina-se na região póstero-lateral da tíbia, póstero-medial na fíbula e membrana interóssea, seguindo posteriormente ao maléolo medial e se inserindo na tuberosidade navicular e no ponto médio da face plantar do tarso. O suprimento de sangue para o tendão é mais pobre na área atrás do maléolo medial, tornando-o o local mais comum para as tendinopatias
Esse tendão (Figura 2) exerce o papel de principal supinador da articulação subtalar, sendo também um adutor do mediopé e um importante flexor plantar do tornozelo, contribuindo na estabilização dinâmica do arco longitudinal do pé (o cavo do pé).

Figura 2: Ilustração da região medial do pé, demonstrando a localização da inserção do tendão tibial posterior.
Mas a lesão do Tendão Tibial Posterior explica tudo?
A fisiopatologia é complexa e consiste não apenas na insuficiência tendínea do TP, mas também nas estruturas capsulares, ligamentares, ósseas e tendíneas do pé, levando a um espectro de deformidades com graus variados de valgo do retropé, pronação do mediopé e abdução do antepé, que em última instância, podem gerar deformidades e alterações degenerativas nas articulações do pé.

Quais são as outras estruturas envolvidas?
Ao longo dos anos, a melhor compreensão da biomecânica da marcha e do tornozelo e pé, demonstrou que a fisiopatologia da deformidade incluía outras estruturas que fazem parte da manutenção do arco medial, além do TP, que continua tendo papel central na estabilização dinâmica do arco, porém não está sozinho.
Outras Estruturas Envolvidas
Tendão Calcâneo
Quando contraturado, em um rertopé com alinhamento valgo, esse tendão, que é o mais forte do corpo, tem potencial de desviar o eixo de carga para medial durante a marcha, sobrecarregando as estruturas mediais do tornozelo e pé.

Fáscia Plantar
A fáscia plantar é outra estrutura que tem papel relevante na manutenção do arco. Através do efeito molinete (Vídeo 1), quando ela é tensionada no momento do desprendimento do pé do solo, e os dedos estão extendidos, ela é tracionada e age na formação do arco do pé, tornando ele rígido para o indivíduo efetuar a passada.
Ligamento Mola
PRINCIPAL ESTABILIZADOR ESTÁTICO É O LIGAMENTO CALCANEONAVICULAR PLANTAR, também conhecido como ligamento MOLA. Que através dos seus folhetos: Tibio Spring, Superomedial, Medioplantar e Plantar lateral, suportam da cabeça do tálus impedindo que ele se desloque plantar e medialmente, além de conter a abdução do médiopé.
Interessante ressaltar que alguns trabalhos com modelos biomecânicos que lesaram isoladamente o ligamento mola ou TTP demonstram que não ocorre imediatamente o colapso do arco. No entanto, após o emprego de cargas cíclicas, que simulam o caminhar, eles demonstraram fadiga das estruturas remanescentes, com colapso subsequente. Isso ressalta que há uma relação entre essas estruturas na manutenção do formato do pé.
Outros estudos que utilizaram ressonância magnétcica, compararam um grupo controle com pacientes que realizaram o exame devido a tendinopatia do TP. Esses trabalhos revelaram uma alta proporção de lesão do ligamento mola, atingindo até 90% na soma dos componentes, entre os pacientes portadores de tendinopatia, demonstrando mais uma vez a relação íntima entre essas estruturas e uma provável ação em conjunto.

Fig. 5: Imagem representativa de foto medial do pé, demonstrando o Tendão Tibial Posterior (PTT) e os principais folhetos do ligamento mola, o Tibio Spring (TS) e Superomedial ou Calcaneonavicular Plantar (SM-CNL).
Ligamento Deltóide
Além do ligamento mola, temos o ligamento deltóide, com seus folhetos superficial e profundo. O superficial (Fig. 6) controla: ABDUÇÃO. ROTAÇÃO EXTERNA DO TORNOZELO E O VALGO DO CALCÂNEO, enquanto que o profundo (Fig. 7) está associado principalmente ao controle do VALGO DO TÁLUS.

Fig. 6 (esquerda): Componentes do Folheto Superficial. | Fig. 7 (direita): Componentes do Folheto Profundo
Ligamentos Tarsometatarsais
Distais à articulação talonavicular, estãos os ligamentos plantares, entre o navicular e as cunhas, bem como entre as cunhas e os metatarsasais. Essas estruturas também são importantes para a sustentação do arco. (Fig. 8)

Fig 8: Componentes dos ligamentos tarsometatarsais
Formato da articulação subtalar
Além das partes moles, alguns estudos mais recentemente documentam ainda que uma alteração no posicionamento da articulação subtalar, com maior inclinação em valgo, pode também predispor ao colapso do pé. Isso ocorre pelo aumento das forças de tensão nas estruturas medias impostas por esse formato de articulação durante a carga.
Principais sintomas do Pé Plano
Nos quadros iniciais as queixas costumam ser inespecíficas, no entanto, na maior parte das vezes, o paciente localiza a dor no trajeto do tendão tibial posterior ou sobre as estruturas capsuloligamentares medias, tais quais deltoide e mola.
À medida em que a doença evolui e a deformidade progride podem ir ocorrendo:
- Queda do arco medial
- Abdução do mediopé
- Valgo do retropé
- Dor lateral abaixo da extremidade da fíbula, secundária ao impacto subfibular
IMPORTANTE RESSALTAR QUE ESSAS DEFORMIDADES NÃO OCORREM EM UMA SEQUÊNCIA LÓGICA E PREVISÍVEL.

Fig. 9: Imagem clínica demonstrando paciente com quadro de deformidade colapsante progressiva do pé. Em vermelho, topografia na qual os pacientes costumam referir os sintomas dolorosos no início da patologia.
EPIDEMIOLOGIA: Pé Plano
Esta condição ocorre mais comumente em pacientes com sobrepeso e em mulheres de meia-idade, estando relacionado com as mudanças hormonais que correm nesta fase da vida, nesta população. Neste grupo a tendinopatia pode acometer até 10% das mulheres. Outros fatores de risco conhecidos são a diabetes mellitus, hipertensão, injeção de esteróides ao redor do tendão, doenças autoimunes.
Fatores mecânicos também devem ser considerados. Forças anormais decorrentes de pés chatos leves podem resultar em maiores demandas ao longo da vida, assim como indivíduos que realizam traumas de repetição, seja por intensidade ou quantidade de treinamento com exercícios de impacto. (Figura 10)

Figura 10: Processo evolutivo da disfunção tendínea.
Processo de investigação do Pé Plano
A investigação deve ocorrer através de um exame físico completo associado a exames de imagem, como raios X com carga do pé e tornozelo, bem como auxílio da ressonância magnética e tomografia computadorizada em casos específicos.
Mais recentemente, a tomografia computadorizada com carga tem auxiliado na precisão da. Definição das deformidades, no entanto esse método diagnóstico ainda não está disponível no Brasil.

Figura 11: Imagem radiográfica com carga dos pés direito e esquerdo na posição antero posterior.
Tratamento para Pé Plano
O objetivo do tratamento é aliviar a dor, melhorar a função, restaurar o alinhamento e interromper a progressão da doença. O manejo dessa disfunção é ditado pelo estágio da doença, e vai variar desde exercícios e ajuste de calçados até diferentes tipos de procedimentos cirúrgicos, individualizados a depender do grau da deformidade, presença de artrose e demanda funcional do paciente, sendo definido após avaliação criteriosa.
Nesse sentido, novas classificações vem sendo testadas no intuito de tentar melhor definir e localizar as deformidades, bem como contemplar os aspectos ósseos e de partes moles que compõem a patologia.

Figura 13: Osteotomia de alongamento da coluna lateral. Esse procedimento corrige a abdução do médio pé. / Figura 14: Osteotomia varizante. Esse procedimento corrige o valgo do retropé. / Figura 15: Artrodeses. Esses procedimentos são indicados nas deformidades mais graves, principalmente quando associadas a rigidez ou artrose das articulações.

Figura 16 : Procedimentos de partes moles. Cada vez mais associados às correções ósseas, essas imagens demonstram, da esquerda para a direita: o alongamento do tendão de aquiles, o reparo / reconstrução do ligamento deltoide e o retensionamento do ligamento mola.
O Pé Plano pode acometer o tornozelo?
Em casos mais avançados a articulação tibiotalar (tornozelo) pode sim ser acometido. Esse acometimento pode variar desde uma instabilidade articular até artrose avançada. Uma análise criteriosa sobre o tornozelo acometido deve ser sempre realizada para melhor tratamento desses pacientes.
Você apresenta sinais e sintomas associados ao Pé Plano?
Procure um ortopedista especialista em tornozelo e pés de confiança.
Sempre procure diagnóstico, orientações médicas e um plano de tratamento individualizado. O Núcleo de Ortopedia Especializada possui especialistas renomados em todas as áreas da ortopedia moderna.
Referências:
orthoinfo.org
uptodate.com
Progressive Collapsing Foot Deformity: Consensus on Goal for Operative Corretiction – AOFAS
FAQ
1. O que define o pé plano?
O pé plano é uma deformidade complexa caracterizada que pode ser caracterizada pela queda do arco medial do pé (covinha do pé). Além dessa queda, o valgismo do retropé e a abdução do mediopé costumam estar presentes. No entanto é possível que deformidades no hálux e no tornozelo também estejam associadas a essa patologia.
2. Como corrigir o pé plano?
Inicialmente o pé plano só deve ser abordado se o indivíduo apesentar sintomas. Quando isso ocorre, nos estágios iniciais, o ajuste e calçados ou uso de palmilhas podem ser suficientes para controlar os sintomas. Nos indivíduos que essas medidas não oferecem resultados, as cirurgias para correção da deformidade podem ser necessárias.
3. Como é feita a cirurgia para correção do pé plano?
O mais importante nesses casos é definir onde estão localizadas as deformidades. A partir desse ponto, se define se essas deformidades são flexiveis ou rígidas ou se estão associadas a artrose. Com essas informações será definida se serão feitas osteotomias (cortes ósseos) ou artrodeses (fusões articulares). Para cada um dos sítios afetados existe um procedimento específico que pode ser realizado.