Introdução
As tendinites do tendão de Aquiles, também conhecido como tendão calcâneo, são uma das lesões mais frequentes por uso excessivo do tornozelo e do pé. Essa patologia é mais provável de acontecer em indivíduos que participam de atividades físicas relacionadas a corrida e ao salto. Até cerca de 10% dos corredores recreativos e 5% dos atletas profissionais podem encerrar suas atividades devido a esse problema!!! Essa patologia pode estar relacionada inclusive a rotura do tendão.
A Tendinite do Tendão do Aquiles (crônica) é mais comum em indivíduos idosos do que na população mais jovem. Essa lesão é classicamente dividida em 2 tipos principais, a tendinopatia insercional, aquela que acontece na região onde o tendão se insere no osso e a não insercional, que está relacionada a inflamação e degeneração no corpo do tendão, como mostram as imagens de ressonância magnética na figura abaixo. A tendinopatia insercional tende a ocorrer em pessoas mais ativas, enquanto a lesão não insercional do tendão tende a ocorrer em pessoas mais velhas, menos ativas e com excesso de peso.

Figura 1: Imagem de ressonância demonstrando da esquerda para a diretia: imagem com tendão normal, imagem com tendinopatia insercional e imagem com tendinopatia no corpo do tendão de aquiles.
Epidemiologia
Os principais fatores de risco podem ser divididos em fatores intrínsecos e extrínseco. Os fatores intrínsecos, são aqueles relacionados ao biótipo e anatomia do paciente e incluem: desvios do eixo do membro inferior, como retropé varo ou valgo em excesso, mobilidade limitada da articulação subtalar e condições sistêmicas, como idade avançada, doenças inflamatórias, diabetes, excesso de peso, doenças metabólicas como a gota (imagem a baixo) por exemplo.
Os fatores extrínsecos, estão relacionados ao modo que o indivíduo utiliza o tendão e incluem sobrecarga mecânica e erros de treinamento, como redução do intervalo das atividades, corrida em subidas, treinamento em superfícies irregulares, aumento do volume e intensidade do treino, aumento da carga repetitiva, calçados inadequados para a atividade, que podem promover baixa absorção de choque e impactos.

Figura 2: Imagem de TC dupla energia mostrando cristais de gota no tendão de aquiles, em verde, identificado pela seta vermelha.
Fatores Intrínsecos
- Desvio do eixo mecânico
- Varo ou valgo acentuado do retropé
- Limitação de mobilidade da subtalar
- Idade avançada
- Obesidade
- Doenças inflamatórias e metabólicas
Fatores Extrínsecos
- Erros de treino
- Sobrecarga excessiva
- Treino em superfícies irregulares
- Calçados inadequados
Sinais e Sintomas
Os sintomas mais característicos são: dor, inchaço e redução da função do tendão de Aquiles tanto nas atividades esportivas quanto na vida diária. Os indivíduos afetados por tendinites do tendão de Aquiles, costumam chegar ao consultório com queixas que vão desde limitação para subir e descer ladeiras ou escadas, bem como redução do tempo ou incapacidade para realizar sua atividade esportiva. Em casos mais intensos, o paciente pode apresentar limitação para deambular ou realizar atividades simples do dia a dia.
Fisiopatologia da Lesão
O processo que abrange o dano e reparo do tendão envolve uma sequência de três fases. A primeira fase, denominada fase inflamatória, dura alguns dias. As células inflamatórias migram para o local da lesão nas primeiras 24 horas e fatores vasoativos e quimiotáticos são liberados, aumentando a permeabilidade vascular, início da angiogênese, proliferação de tenócitos e produção de fibras colágenas.
A seguir ocorre a fase proliferativa. A síntese de colágeno tipo III atinge um pico nesse momento. O conteúdo de água e as concentrações de glicosaminoglicanos permanecem altos durante este estágio. A reparação do tendão coincide com a proliferação de tenócitos no epitendão e endotendão, bem como em sua bainha.
Após aproximadamente 6 semanas, inicia-se a etapa de modelagem. O tecido de cicatrização é redimensionado e remodelado. Nesta fase inicia-se um processo de cicatrização fibrosa. Nesse período, o tecido de reparo muda de celular para fibroso e as fibras de colágeno se alinham na direção das cargas aplicadas ao tendão. Então, após a décima semana, ocorre a fase de maturação, com mudança gradual de tecido fibroso para tecido tendinoso cicatricial.
A dor pode ter origem em vários fatores. Acredita-se que o aumento da produção de prostaglandinas (PGs) na matriz, a neovascularização no corpo do tendão, as alterações dos tenócitos na estrutura e função e as alterações nos metabólitos na tendinopatia sejam as principais fontes da dor. Pesquisas recentes sugerem que o sistema colinérgico não neuronal também pode ser implicado como fator de dor na tendinopatia crônica do aquiles.

Figura 3: Imagem de microscopia óptica, corada com hematoxacilina e eosina, demonstrando aumento da celularidade do tecido a direita, característica da tendinopatia.
Tendinopatia Insercional
Esse tipo de tendinite acomete a região mais próximo do calcanhar, bem no local aonde o tendão insere no osso, daí a origem da nomenclatura. Normalmente a dor é bem localizada, com presença de uma proeminência ou volume posterior nessa região, que alguns pacientes denominam de esporão, como visualizado na foto abaixo. A dor geralmente está relacionada ao atrito dos calçados no local ou ao realizar o movimento de dorsiflexão (puxar o pé para cima).

Figura 4: Imagem clínica demonstrando aumento de volume na região distal da perna, onde o tendão de aquiles se insere no calcâneo.
Os exames de imagem costumam demonstrar um padrão inflamatório ou de desgaste do tendão aonde ele se insere, na ressonância, enquanto que o raio X demonstra uma proeminência óssea, chamada de Haglund, responsável pelo atrito local e origem da patologia. Uma calcificação da porção mais distal do tendão pode ser visualizada também, a qual denominamos de entesopatia.

Figura 5: Imagem de ressonância a esquerda e de raio-x à direita. Na ressonância conseguimos visualizar (circulo branco) a inserção do tendão espessada e inflamada. No raio-x, visualizamos o haglung e a calcificação da inserção do aquiles.
Tendinopatia Não Insercional
Essa variante é caracterizada por dor na região do corpo do tendão, e costuma ter início pela manhã, logo na primeira pisada, e piorar com a realização de exercícios. Entretanto, pode evoluir para quadros mais intensos, nos quais o paciente queixa-se de dor até em repouso. A ressonância magnética costuma demonstrar o processo inflamatório ou degenerativo no trajeto do “corpo” do tendão.

Figura 6: Imagens de ressonância, em corte sagital à esquerda e axial à direita. No corte sagital vemos o espessamento tendíneo e à direita vemos o corpo do aquiles arredondado e espessado.
Tratamento para Tendinites do Tendão de Aquiles
Não cirúrgico
Nesta fase o repouso é fundamental. O uso de órteses, como as botas ortopédicas removíveis, é imobilização é frequentemente utilizado para controlar fatores exacerbantes, no entanto a imobilização prolongada deve ser evitada. A modificação dos regimes de treinamento e exercícios específicos são necessários. Dentre esses exercícios mais recomendados e com evidência de melhora dos sintomas estão: fortalecimento excêntrico do tríceps sural associado ao alongamento da cadeia posterior.
Uma diferenciação muito importante deve ser realizada entra a tendinopatia não insercional e a insercional: Na primeira a dorsiflexão do tornozelo pode ser realizada tanto para o alongamento quanto para o fortalecimento excêntrico, no entanto, nas insercionais, esse movimento não pode ser realizado, pois nesse eixo ocorre o atrito do haglund.
Uma elevação da região posterior do calçado pode aliviar a pressão no tendão por realizar uma redução da tensão local. O uso de medicamentos como os corticosteroides, os antiinflamatórios não esteroides e os analgésicos fazem parte do resgate do indivíduo nessa fase dolorosa.
- Repouso
- Medicação (corticoides, AINE e analgésicos)
- Imobilização
- Ajuste de calçados
- Modificação do treinamento
- Exercícios
Vídeo 1: demonstrando o fortalecimento excêntrico do tríceps sural para a tendinopatia não insercional, com dorsiflexão do tornozelo.
Não cirúrgico e invasivos
- Infiltração local com corticoides
Relata-se que as injeções de corticosteroides reduzem a dor e o inchaço e melhoram a aparência ultrassonográfica do tendão. No entanto, as injeções de corticosteroides podem ter algum benefício a curto prazo, mas os efeitos adversos foram relatados em até 82% dos ensaios com corticosteroides. Dentre esses efeitos estão a atrofia do tendão e da pele local, ruptura do tendão e diminuição da força.
- Ondas de Choque Extracorpórea
Sabe-se que o estímulo mecânico fornecido pelas ondas de choque pode ajudar no início da regeneração do tendão na tendinopatia, promovendo processos pró-inflamatórios e catabólicos associados à remoção de constituintes da matriz danificada. No entanto, a dose mais eficaz e a duração da terapia ainda são desconhecidas.
- Plasma Rico em Plaquetas (PRP)
Muitos estudos demonstram uma melhora na cicatrização do tendão utilizando o PRP em comparação com os controles, mas existem resultados clínicos controversos ao usar o PRP para tratar a tendinopatia de Aquiles. No entanto, as evidências para apoiar o uso do PRP no manejo da tendinopatia de Aquiles são insuficientes e estudos controlados e randomizados são necessários em pesquisas futuras.
- Infiltração com agentes esclerosantes
O agente esclerosante que atinge seletivamente o vaso, pode causar trombose e bloquear os nervos sensoriais implicados como possíveis geradores de dor. Os primeiros relatos usando agente esclerosante injetado sob orientação de ultra-som Doppler nos vasos anormais no aspecto ventral do tendão de Aquiles demonstraram melhorias significativas nos escores de dor e função.
Tratamento cirúrgico
O tratamento cirúrgico fica reservado para os casos refratários, e existem diferentes abordagens possíveis a depender do tipo de tendinite, extensão de acometimento, idade e grau de atividade do paciente.
O objetivo da cirurgia é realizar a ressecção do tecido degenerado, estimular a cicatrização do tendão por meio de trauma controlado e de baixo grau e/ou aumentar o tendão de Aquiles com enxertos.
Vários tratamentos cirúrgicos incluem a ressecção longitudinal do tecido degenerado associado à tubulização do tecido remanescente, ou ressecção do tecido doente associado a transferência do tendão flexor longo do hálux ou fibular para o calcâneo, ou até mesmo o uso de enxertos livres como os flexores do joelho por exemplo, em substituição ao tecido ressecado (imagem abaixo).

Figura 7: demonstrando técnica minimamente invasiva para reconstrução do aquiles em tendinopatia não insercional. Da esquerda para direita: Retirada do enxerto da região posterior do joelho, tendão retirado, exposição do tecido doente e ressecção, ancoragem do enxerto no aquiles remanescente, inserção do enxerto no calcâneo.
A estratégia cirúrgica para a tendinopatia insercional do calcâneo é a remoção do tendão degenerativo e calcificação associada, excisão da bolsa retrocalcânea inflamada, ressecção da proeminência calcânea posterior proeminente (haglund), recolocação da inserção conforme necessário e/ou transferência ou enxerto tendíneo. Em casos específicos calcaneoplastia e a ressecção da bursa retrocalcânea podem ser realizadas por via endoscópica ou minimamente invasiva.
Conclusão
A tendinite do tendão de Aquiles é uma síndrome clínica caracterizada pela combinação de dor, inchaço e dificuldade para realizar atividades físicas. A sua etiologia é multifatorial e fatores intrínsecos e extrínsecos podem estar associados. A histologia demonstra desorganização e fragmentação tecidual e mudança no padrão e distribuição dos colágenos.
Existem diversas opções de tratamento conservador e cirúrgico para a tendinopatia, no entanto, não existe um tratamento padrão-ouro definitivo e cada caso deve ser avaliado individualmente, respeitando as particularidades de cada paciente.
Você apresenta sinais e sintomas relacionados a Tendinite doTendão de Aquiles?
Procure um ortopedista especialista em tornozelo e pés de confiança. Quanto antes a avaliação for realizada, maiores as chances de sucesso no tratamento.
Sempre procure diagnóstico, orientações médicas e um plano de tratamento individualizado. O Núcleo de Ortopedia Especializada possui especialistas renomados em todas as áreas da ortopedia moderna.
Referências:
Hong-Yun Li and Ying-Hui Hua. Achilles Tendinopathy: Current Concepts about the Basic Science and Clinical Treatments. Biomed Rest Int 2016
www.uptodate.com
FAQ
1. Como desinflamar o tendão de aquiles?
Na fase aguda o repouso, associado a alongamentos e fortalecimento excêntrico do tríceps sural, gelo e anti-inflamatórios costumam ser suficientes. Muito importante também é identificar o que causou o processo inflamatório, pois remover o fator causal, quando possível, é medida essencial para o sucesso do tratamento.
2. Porque os tendões inflamam?
Os fatores que podem levar à inflamação são divididos em intrínsecos e extrínsecos e podem estar presentes de maneira isolada ou associados. Os principais fatores intrínsecos são: desvio do eixo mecânico, varo ou valgo acentuado do retropé, limitação de mobilidade da subtalar, idade avançada, obesidade, doenças inflamatórias e metabólicas. Já os principais fatores extrínsecos são: erros de treino, sobrecarga excessiva, treino em superfícies irregulares e os calçados inadequados.
3. Como saber se o tendão de aquiles está inflamado?
Os principais sintomas são a dor e o edema local, na região posterior da perna, que compreende a região da barriga da perna até o calcanhar. Dificuldade para subir e descer escadas e ladeiras também fazem parte dos sintomas. Para confirmação diagnóstica, podem ser realizados exames como a ultrassonografia ou a ressonância magnética.