As úlceras nos pés são uma das principais complicações do diabetes mellitus e estão associadas a alta morbidade, mortalidade e custos com saúde. Elas apresentam uma incidência anual de 2% nesses pacientes, com uma taxa média de recorrência de 30% a 40% no primeiro ano. Esses números deixam claro que o tratamento adequado e principalmente a prevenção do surgimento e recorrências dessas lesões, são muito importantes.

Imagem demonstrando ulceração na região anterior do pé de um paciente portador de diabetes mellitus e insensibilidade periférica.
A neuropatia periférica, que pode ocorrer em até 50% dos indivíduos com diabetes está associado a perda da sensação protetora e ao surgimento de deformidades. Essa associação gera um desequilíbrio mecânico, com elevação da pressão em determinadas regiões do pé, causando sobrecarga local. A presença desses fatores, por si só e principalmente quando se associam a um pequeno trauma local, podem dar origem a um processo de formação de uma ferida.

Uma vez que uma úlcera está formada, a cicatrização pode ser cronicamente retardada, devido a diversos fatores como a glicosilação de tecidos locais por excesso de açucares, redução da imunidade que existe nesses pacientes e principalmente se a pressão sobre essa área não for efetivamente aliviada.
A depender do local da deformidade, e consequentemente da biomecânica do indivíduo, a lesão pode se localizar em diferentes lesões do pé, como no retropé, mediopé e principalmente no antepé, local de maior frequência das ulcerações nesses pacientes.

Imagem demonstrando pés com úlceras em diferentes regiões. Da esquerda para a direita: retropé, médiopé e antepé.
Porque as úlceras no antepé são mais frequentes?
A resposta está relacionada a dinâmica da fase de apoio da marcha. Durante a fase de apoio, na qual o pé está em contato como o solo, as presses são distribuídas em diferentes pontos a depender do movimento do pé, mas no momento final, quando pé está saindo do solo, as pressas se concentram na região anterior, e essa concentração pressórica leva a maior incidência de lesões nessa região.
Diante desse cenários as principais opções não cirúrgicas disponíveis para a redução da pressão no antepé são:
- Gesso ou órteses pre fabricadas
- Calçados terapeutico
Gessos e Órteses Pré Fabricadas:
Dispositivos na altura do joelho, que mantenham o tornozelo em 90 graus e com solado rígido são indicados para tratar úlceras plantares neuropática do antepé, desde que não apresentem isquemia ou infecção não controlada.

Imagem demonstrando gesso de contato total, bota pré fabricada removível e órtese pré-fabricada removível transformada em não removível.
O objetivo desses dispositivos é o de realizar o controle da contração excêntrica do gastrocnemio na última fase de apoio, por isso devem ir até altura do joelho, além de inibir o desprendimento do pé em relação ao solo. Dentre esses tipos de dispositivos estão os gessos de contato total, as órteses pré fabricadas removíveis e as pré fabricadas transformadas em não removíveis, como as dos exemplos acima.
E qual delas seria melhor indicada?
Existem uma forte recomendação associado a alto grau de evidência de que dispositivos não removíveis sejam mais eficazes. Provavelmente porque a adesão do paciente ao dispositivo é aumentada e isso melhora da distribuição pressórica de cargas, ou seja, o fato do indivíduo não poder retirar a órtese aumenta sua aderência ao tratamento.
No entanto existem indicações nas quais é obrigatório o uso dos dispositivos removíveis:
- Úlceras infectadas exudativas
- Feridas que necessitem de inspeção frequente
- Sinasi de insuficiencia arterial periférica
E os calçados terapêuticos?
A recomendação padrão para pacientes com neuropatia periférica é que, para proteção dos pés, deve haver a instrução de não andar descalço, de meias, calçados de solado fino ou chinelos, tanto fora quanto dentro de casa.

O paciente diabético em risco, deve usar calçados adequados para prevenir uma primeira úlcera no pé. Não devemos esperar que o indivíduo desenvolva a lesão para somente após orientar sobre os calçados adequados.
Apesar de não haver estudo sobre o efeito de andar descalço, com meias ou com chinelos associado ao risco de ulceração no pé, existem muitos grandes estudos prospectivos que mostram que os pacientes em risco têm níveis elevados de pressão mecânica plantar durante a caminhada descalça, o que é um fator de risco significativo independente para ulceração do pé, e, portanto, deve ser reduzido. Além disso, andar descalço, oferece proteção limitada contra traumas externos ou lesões térmicas.
Uma das características desse tipo de calçado está relacionada ao solado, mais especificamente da interface sola e chão! Como já foi citado, na última fase da marcha, há uma concentração das pressões no antepé e uma das formas de previnir a sobrecarga na região anterior, é evitando o desprendimento livre no antepé em relação ao solo. Além do solado firme esses calçados devem apresentar: CAMARA ANTERIOR LARGA E ALTA, FECHAMENTOS COM VELCRO, AUSÊNCIA DE COSTURAS, PRESENÇA DE CONTRAFORTE, características semelhantes ao calçado ideal para o idoso.

Exemplos de calçados com solado firme, e contraforte, que reduzem a descarga de pressão no antepé.
Você diabetes e alterações nos pés?
Procure um ortopedista especialista em tornozelo e pés de confiança. Quanto antes a avaliação for realizada, maiores as chances de sucesso no tratamento.
Sempre procure diagnóstico, orientações médicas e um plano de tratamento individualizado. O Núcleo de Ortopedia Especializada possui especialistas renomados em todas as áreas da ortopedia moderna.
Referências:
www.sobratafe.com
IWGDF Guidance on footwear and offloading interventions to prevent and heal foot ulcers in patients with diabetes © 2015
FAQ
1. Quais são as principais medidas para aumentar a eficácia de calçados e órteses no tratamento e prevenção das úlceras do antepé?
Antigamente, o foco da discussão para reduzir o surgimento e a recorrencia das úlceras do antepé, estava no uso o gesso de contato total versus outras orteses. No entanto o gesso já não é mais necessariamente o tratamento padrão ouro.
Isso muda a visão tradicional sobre o descarregamento, em que a comparação principal era gesso versus qualquer outro dispositivo, mas agora mudou em dispositivo não removível versus removível.
Isso leva a crer, que o ponto chave pode estar na adesão do paciente à intervenção. É relatado que aqueles que não aderem a uma intervenção apresentam piores desfechos clínicos. É necessário um foco mais forte, tanto na pesquisa quanto na prática clínica, para aumentar a adesão ao tratamento.
2. Qual o melhor momento para indicar o uso dos calçados adequados para os pacientes portadores de neuropatia diabética?
O paciente diabético, antes mesmo do desenvolvimento da neuropatia, deve ser instruído a utilizar calçados adequados.
Dessa forma, se inicia um processo de educação em relação ao cuidado com os pés, evitando a necessidade de mudanças abruptas.
Outro ponto relevante referente a essa questão é o cuidado que deve se ter com o outro pé, ou o pé que ainda não foi afetado. Muitas vezes esse pé é esquecido até que uma lesão apareça, e ele pode ser o ponto de apoio principal desse paciente para o resto da vida.